O Problema com o Capitalismo
Sabemos que o capitalismo tem muitas vantagens, mas também apresenta muitas limitações e deficiências. O capitalismo carece de um fundamento ético ou consciência social. Embora a filosofia de “responsabilidade social empresarial” (RSE) conclame as empresas a ter como objetivo atuar dentro do tripé da sustentabilidade (benefícios “ambientais, sociais e econômicos”), o sistema capitalista as proíbe efetivamente de colocar a responsabilidade social em primeiro lugar.
“Os mercados irrestritos (...) não se destinam a resolver problemas sociais. Ao contrário, esses mercados podem exacerbar a pobreza, as doenças, a poluição, a corrupção, o crime e a desigualdade.”
Mais cedo ou mais tarde, quando os benefícios sociais entram em conflito com o interesse dos investidores, os investidores é que são a prioridade. Para as empresas convencionais, a responsabilidade social acaba por resultar em irresponsabilidade financeira.
No capitalismo desenfreado os ricos ficam mais ricos, os pobres ficam mais pobres, e o forte marginaliza o fraco. Os seguintes mecanismos atuais utilizados para conter e controlar o capitalismo para o interesse dos pobres provaram ser inadequados:
1. Governo
Certamente os governos podem ajudar. Em muitos países desenvolvidos, sistemas democráticos e regimes regulatórios sofisticados oferecem proteção contra a poluição, fraude, produtos nocivos e outros males sociais. Esses países também têm infra-estruturas bem desenvolvidas para o intercâmbio de informações e de capital, as quais impõem condições equitativas de concorrência nos negócios. No entanto, fraude e exploração , que em países desenvolvidos às vezes ocorrem, são um problema de ordem maior no mundo em desenvolvimento.
“A teoria comumente aceita sobre o livre mercado sofre de uma ‘falha de concepção’, um fracasso em capturar a essência do que é ser humano.”
Os desafios enfrentados pelos governos dos países em desenvolvimento são enormes. Se toda a população mundial fosse transportada para os Estados Unidos, sua densidade populacional seria ainda menor que a de Bangladesh, por exemplo. Bangladesh tem feito alguns progressos na redução da mortalidade infantil e pobreza, mas ainda há muito a ser feito. Em geral, os governos são vulneráveis à burocracia, ineficiência, corrupção e controle por parte de grupos de interesse poderosos. Os governos sozinhos não resolvem a pobreza.
2. Entidades sem fins lucrativos
Organizações sem fins lucrativos canalizam a generosidade dos indivíduos ricos do mundo. Elas têm se saído bem. No entanto, a caridade não é suficiente para resolver os problemas de saúde, fome, degradação ambiental e falta de moradia. Caridade tem limite, e muitas vezes o fluxo de fundos para em tempos difíceis, precisamente quando os pobres estão mais necessitados.
3. Iniciativas multilaterais
As agências e instituições multilaterais, tais como bancos de desenvolvimento regional, o Banco Mundial e a CFI (Corporação Financeira Internacional) têm mandato para eliminar a pobreza e ajudar com o desenvolvimento econômico. No entanto, elas combinam as desvantagens dos governos e das organizações sem fins lucrativos: são tão burocráticas e egoístas quanto os governos e tão insuficientes e inconsistentes como as entidades sem fins lucrativos.
4. Responsabilidade social empresarial
A responsabilidade social das empresas assume duas formas. A primeira diz, com efeito, “Não faça mal às pessoas ou ao planeta (a menos que isso signifique sacrificar o lucro)”. A segunda diz: “Faça o bem às pessoas e ao planeta (contanto que não sacrifique o lucro)”. Ambas são bem intencionadas, mas no final das contas as empresas devem responder às demandas dos investidores. O capitalismo pune com rigor qualquer empresa que coloque seus investidores em segundo ou terceiro lugar. Assim, o tripé da sustentabilidade quanto à responsabilidade social corporativa é enganoso. A responsabilidade para com os investidores sempre prevalece.
Empreendedorismo Social
A empresa social não é governo, instituição de caridade, tampouco iniciativa multilateral. Na verdade, em termos de organização, as empresas sociais parecem muito com as empresas com fins lucrativos. Elas têm funcionários e oferecem produtos e serviços. No entanto, o motivo subjacente não é ganhar dinheiro, mas sim proporcionar um benefício social.
“Para atrair investidores, proponho a criação de um mercado de ações em separado, que poderia ser chamado o mercado de ações sociais. Apenas empresas sociais estariam listadas ali.”
As empresas sociais não vendem seus produtos ou serviços abaixo do custo. Esta é uma diferença grande entre as empresas sociais e as organizações sem fins lucrativos. Empresas sociais ganham dinheiro. No entanto, seus lucros não retornam aos investidores, mas são reinvestidos em expansão, para que possam beneficiar ainda mais pessoas.
“Temos de eliminar as regras e leis absurdas que tratam os pobres como pessoas sem importância.”
Como qualquer negócio, as empresas sociais têm investidores. No entanto, estes não esperam grandes retornos além do capital investido. Há dois tipos de empresas sociais:
- Empresas cujo foco é o benefício social ao invés do lucro – Seus investidores querem ajudar a sociedade ao invés de ganhar o maior retorno possível do capital investido.
- Empresas que buscam maximizar o lucro, mas cujos donos são pobres – O benefício social dessas empresas consiste em dar lucros aos pobres para que possam sair da pobreza.
“Todos entendem a importância do dinheiro. O único problema para os pobres é que não há nenhuma instituição que traga o dinheiro até eles.”
Os investidores das empresas sociais podem ser fundações, instituições multilaterais, governos e até mesmo empresas com fins lucrativos que têm a visão de melhorar a sociedade. Na verdade, o Grupo Danone participou da criação de uma empresa social em Bangladesh.
As empresas sociais têm precedentes históricos. Durante um período em que muitos usineiros mantinham seus trabalhadores em dívida com as lojas da empresa, Robert Owen (1771-1858) fundou lojas cooperativas que disponibilizavam produtos ligeiramente acima do custo de produção. Essas lojas foram as primeiras cooperativas de varejo. Muitas ainda existem até hoje.
Grameen Bank
Muhammad Yunus era professor de economia em meados dos anos 1970, quando descobriu porque as pessoas pobres do seu país permaneciam pobres, não importando o quão duro trabalhassem: estavam nas mãos de agiotas. Um dia, conversando com uma mulher que fazia tamboretes de bambu numa pequena vila, descobriu que as taxas de juros sobre o pouco dinheiro que tomava emprestado para comprar materiais poderiam chegar a 10% compostos, por dia. O pior, era obrigada a vender apenas ao agiota, com preços definidos por ele.
“A chave para aliviar a pobreza muitas vezes não é a criação de ‘empregos’, isto é, trabalho assalariado nos grandes empregadores corporativos, antes o incentivo ao auto-emprego para todos os indivíduos.”
Yunus pesquisou junto a outras mulheres da vila e avaliou que a quantidade total que elas deviam não chegava a 856 taka (a moeda do Bangladesh), ou US$ 27 dólares. Yunus pagou as dívidas das mulheres e começou a trabalhar em um mecanismo que lhes permitisse escapar das garras dos agiotas. Os bancos convencionais não acreditavam que as mulheres pobres teriam boa avaliação de crédito. Yunus decidiu então criar um novo tipo de banco que iria servir aos pobres. Primeiro ele precisava mudar as leis bancárias de Bangladesh. Seu lobby persistente resultou na legislação necessária e em 1983 ele fundou o Grameen Bank.
“Quando são violadas as liberdades de expressão ou religião (...) protestos globais são frequentemente mobilizados. (...) No entanto, quando a pobreza viola os direitos humanos da metade da população mundial, a maioria de nós olha para o outro lado e segue em frente com suas vidas.”
O Grameen Bank faz empréstimos aos mais pobres dos pobres. Desde a sua criação já emprestou US$ 6 bilhões, com uma taxa de 98,6% de reembolso. Como outros bancos, o Grameen Bank é rentável; na verdade, registrou perdas apenas em 1983, 1991 e 1992. O Grameen tem tirado quase dois terços dos seus clientes da pobreza.
Grupo Danone
A ideia da Grameen Danone nasceu durante uma reunião em 2005 entre Yunus e Franck Riboud, presidente do Groupe Danone. Riboud disse a Yunus que sua família tinha uma tradição de “ser socialmente inovadora e progressista” e que desejava encontrar uma maneira de ajudar a alimentar os pobres. Yunus propôs uma joint-venture para produzir iogurte fortificado barato para crianças que ajudaria a resolver o problema da desnutrição em Bangladesh. Seria criada uma empresa social, cujos lucros seriam reinvestidos na mesma.
“Ascender às classes sociais e econômicas o mais rápido possível é a melhor forma de combater qualquer forma de dominação estrangeira.”
Poucas semanas depois da reunião entre Yunus e Riboud, o Grupo Danone enviou uma equipe a Bangladesh para tratar do design, manufatura, cadeia de suprimentos, distribuição e preços dos produtos. O iogurte já era um alimento popular em Bangladesh, vendido em potes de barro, mas a um preço muito alto para os pobres.
“Uma empresa social não pode esperar ganhar clientes apenas porque é administrada por pessoas idôneas com boas intenções. É preciso atrair os consumidores e manter sua lealdade, por ser a melhor.”
O Groupe Danone enfrentou alguns desafios que foram de encontro com a sua abordagem usual. Por exemplo, a empresa normalmente construía uma única fábrica, grande o suficiente para servir a um mercado regional. No entanto, Yunus pediu para pensarem em fábricas de pequeno porte que comprassem o leite de produtores locais, muitos dos quais haviam comprado suas primeiras vacas com empréstimo da Grameen. Pensar pequeno era uma novidade para o departamento de design industrial da multinacional. Eles descobriram, para sua surpresa, que uma estrutura pequena poderia operar, de forma eficiente, como um grande.
“A melhor maneira de combater a pobreza é dar dignidade e autossuficiência às mulheres pobres.”
Refrigeração foi outro desafio. A Danone normalmente mantêm seus iogurtes refrigerados desde a produção até o ponto de venda, mas a maioria dos moradores que estariam comprando e vendendo o iogurte não têm eletricidade. Portanto, seria essencial uma distribuição rápida. O iogurte teria que ser consumido em até 48 horas depois de produzido. A Danone desenvolveu uma rede de distribuição com a ajuda das “senhoras Grameen”, aldeãs clientes do Grameen Bank.
“Os mais ricos do mundo podem desfrutar hoje de seus estilos de vida luxuosos. Mas (...) estariam dispostos a pagar o grande preço da destruição ambiental e do conflito militar para sustentar seus estilos de vida?”
A joint-venture promoveu uma pesquisa de marketing para decidir qual o sabor do produto e a logomarca. A logo combinava o ícone da Grameen com as letras azuis da Danone e a imagem de um leão. Riboud convenceu seu amigo Zinédine Zidane, jogador na época muito popular em Bangladesh, a ir à cidade e ceder sua imagem para o lançamento do produto.
“Se ainda não conseguimos algo, é porque não colocamos isso nas nossas mentes. Estamos aceitando limitações psicológicas que nos impedem de fazer o que afirmamos que queremos.”
As empresas estão agora pensando em melhorar as embalagens, substituindo os pequenos copos plásticos por recipientes amigos do meio ambiente, talvez até mesmo comestíveis.
É possível acabar com a pobreza
O fim da pobreza está ao nosso alcance. Os pobres não são pobres por falta de caráter ou de vontade de trabalhar duro. Eles são pobres porque as instituições e regulamentos que funcionam para os ricos não funcionam para eles.
Os pobres de Bangladesh não podiam obter crédito dos bancos, assim tornaram-se escravos da dívida junto aos agiotas. O capitalismo não dá às empresas qualquer incentivo para servir aos pobres, mas sim para explorá-los.
Certos preconceitos, como a ideia de que os pobres não pagam seus empréstimos, muitas vezes impedem os empresários de ir além dos métodos convencionais. As experiências do Grameen Bank e da Grameen Danone sugerem que as estruturas e abordagens de empresas com fins lucrativos podem ser aplicadas ao serviço de objetivos socialmente benéficos.
Por exemplo, a tecnologia da informação pode se tornar uma grande força para a democratização e para a libertação dos pobres. A tecnologia de informação pode permitir que agricultores em vilas remotas descubram como andam as vendas das commodities nos grandes mercados e assim não tenham de aceitar qualquer preço dos corretores locais. Eles ganhariam poder e voz.
Atualmente, são necessárias alfabetização e formação para fazer uso dos recursos de TI. É preciso ser fluente em uma língua como o inglês ou chinês. No entanto, os engenheiros são capazes de projetar sistemas que não exijam alfabetização ou fluência em um idioma principal.
O empreendedorismo social pode transformar essas ideias em realidade. Eliminar a pobreza é do interesse de todos. As empresas sociais e sua ênfase cuidadosa com os benefícios sociais podem promover o desenvolvimento sem a destruição do ambiente. Chegará o dia em que as pessoas terão de ir a museus para aprender sobre a pobreza.