O Espírito Animal

Livro O Espírito Animal

Como a Psicologia Humana Move a Economia e Por Que Isso é Importante para o Capitalismo Global

Princeton UP,
Também disponível em: Inglês


Recomendação

George Akerlof e Robert J. Shiller explicam o papel da psicologia humana nos mercados. Eles afirmam que a teoria econômica con­ven­cional atribui demais peso ao papel da razão na tomada de decisões econômicas, deixando de lado o papel dos fatores irracionais, emocionais e psicológicos. Há alguns anos, essa visão teria sido considerada ficção, mas vários outros autores têm batido na mesma tecla, embora poucos com credenciais tão excelentes. Por terem afirmado suas crenças e oferecido evidências sobre o poder das emoções, ou “espíritos animais”, os autores prescrevem políticas curativas, embora nem sempre esclareçam qual o impacto das suas propostas no mundo real. A distinta reputação de Akerlof e Shiller merece atenção e BooksInShort confirma que seu livro é uma leitura que vale a pena. No entanto, aqueles que já conhecem a totalidade do trabalho dos autores talvez esperassem maiores insights.

Ideias Fun­da­men­tais

  • Análises econômicas con­ven­cionais limitam-se a fatos quantificáveis e racionais.
  • No entanto, os tomadores de decisões econômicas são muitas vezes intuitivos, irracionais e levados pelas emoções.
  • John Maynard Keynes cunhou o termo “espírito animal” referindo-se à mentalidade emocional.
  • A confiança, ou a falta dela, pode estimular ou dificultar o crescimento econômico.
  • A equidade é importante ao fixar salários, mas os modelos econômicos clássicos a ignoram.
  • As pessoas chegam conclusões irracionais sobre o dinheiro; é a “ilusão monetária”.
  • Por exemplo, elas ignoram a inflação, pensam que suas poupanças manterão o valor ou resistem a cortes salariais quando os preços caem, mesmo que seus empregos estejam em jogo.
  • Corrupção e quebra de confiança podem contribuir para depressões econômicas.
  • As minorias veem a América de forma diferente. Sua história retrata uma sociedade injusta que oferece menos opor­tu­nidade do que os brancos acreditam.
  • Economistas e leg­is­ladores precisam abrir mão da teoria insustentável dos mercados racionais e prestar mais atenção aos espíritos animais.
 

Resumo

A Economia Emocional

O desempenho econômico é em grande parte mental, embora não nec­es­sari­a­mente racional. As emoções têm uma forte presença na tomada de decisões econômicas. Os economistas do passado quase ignoram o papel do irracional nas decisões econômicas. Em vez disso, eles explicavam os eventos econômicos como resultado de pessoas que exercem com racional­i­dade seus próprios interesses. Essa explicação não leva em conta os maciços deslo­ca­men­tos econômicos. Ela afirma que o desemprego gen­er­al­izado não deveria existir porque tra­bal­hadores que buscam racional­mente seus próprios interesses deveriam aceitar salários mais baixos de acordo com o valor da produção. Salários e preços se ajustam, o mercado se estabiliza e o desemprego desaparece. No entanto, não é o que acontece.

“As pessoas têm motivações não-econômicas. E elas não são sempre racionais na busca de seus interesses econômicos.”

John Maynard Keynes disse que um cálculo racional não poderia ser responsável por decisões econômicas como a abertura de uma mina, a construção de uma fábrica ou de um prédio de escritórios. Os dados sobre o retorno a longo prazo sobre esses in­ves­ti­men­tos é in­su­fi­ciente para sustentar um cálculo ver­dadeira­mente racional. Keynes escreveu que tais decisões “só podem ser tomadas como resultado de espíritos animais”.

Espíritos Animais: Convicção e Equidade

A palavra “convicção” aparece com frequência na literatura de negócios. Economistas enfatizam o elemento preditivo: convicção significa uma expectativa de um futuro brilhante. Mas não é a única maneira de ser utilizada quando se discute dinheiro. Na verdade, o uso comum enfatiza confiança e crença. O ex-CEO da General Electric, Jack Welch, disse certa vez que fazer planos de negócios e projeções racional­mente analíticos não era para ele. Ele disse que as decisões importantes nos negócios vinham “diretamente da intuição”. Na crise econômica a partir de 2008, uma ausência de confiança no sentido mais popular paralisou os mercados de crédito a partir do momento que os credores não teriam certeza de que seriam reem­bol­sa­dos. A falta de confiança pode minar as políticas econômicas.

“Mas, no nível da macro­econo­mia (...) a confiança vai e vem. Às vezes, com razão. Às vezes não. Não é apenas uma previsão racional.”

Os fatores que determinam salários no mundo real parecem muito diferentes daqueles es­peci­fi­ca­dos na teoria econômica neoclássica, que tende, por exemplo, a ignorar a equidade como um factor de­ter­mi­nante na decisão financeira. Ex­per­i­men­tos econômicos mostram que as percepções sobre justiça afetam o quanto as pessoas vão pagar pelas coisas, indo de encontro a seus interesses econômicos pessoais e racionais para punir aquilo que veem como injusto. A justiça parece influenciar a confiança e cooperação. Isso também contribui para o desemprego, porque as empresas preferem não pagar salários baixos, pois poderiam ser percebidos como injustos (mesmo se os tra­bal­hadores estivessem dispostos a aceitá-los).

O Lado Negro

O capitalismo produz tudo o que as pessoas estejam dispostas a comprar. Se quiserem pagar por mercadoria de má qualidade, o capitalismo vai produzi-la. Por exemplo, embora as pessoas saibam que devem poupar para garantir a educação e aposen­ta­do­ria, a história econômica recente dos EUA demonstra que maioria delas está disposta a pagar por títulos, cujo valor depende de con­tabil­i­dade fraudulenta e má divulgação. O capitalismo então fornece tais títulos: executivos e gestores de fundos estão dispostos a oficializar fraudes na con­tabil­i­dade e in­ves­ti­men­tos inadequados, sempre que houver pessoas dispostas a aceitá-los.

“A crise não foi prevista e não é ainda totalmente com­preen­dida (...) porque não há princípios nas teorias econômicas con­ven­cionais que expliquem os espíritos animais.”

Crises acontecem quando o risco moral mina a confiança. A crise na poupança e empréstimo dos anos 80 surgiu porque os empresários do ramo fizeram in­ves­ti­men­tos de risco, sabendo que o governo iria salvá-los. Os gestores da Enron e de outras empresas corruptas abusaram das práticas contábeis ardilosas e da credulidade pública para deturpar seu desempenho. Práticas similares em relação às hipotecas de alto risco (subprime) e outros in­stru­men­tos obscuros de in­ves­ti­mento também levaram à recessão. Os agentes hipotecários emprestaram a pessoas que não podiam pagar, mas os credores não se importavam desde que vendessem os empréstimos. Nos processos de avaliação de crédito, os par­tic­i­pantes serviam aos seus próprios interesses, minimizando os riscos reais. Todos estes casos resultaram no tipo de erosão da confiança que pode aprofundar as recessões.

“A Ilusão do Dinheiro”

A ilusão monetária irracional é um aspecto dos espíritos animais. Em seu livro de 1928, A Ilusão do Dinheiro, Irving Fisher deu um exemplo de uma mulher cuja ilusão era de que sua carteira de títulos de $ 50.000 ainda valesse tanto quanto havia valido anos antes. Certamente, o valor nominal era o mesmo, mas a inflação tinha corroído seu poder de compra real. Na década de 1960, economistas como Paul Samuelson, assumiram que os tra­bal­hadores (sujeitos à ilusão monetária) iriam negociar salários nominais ao invés de reais. Milton Friedman discordou e disse que os tra­bal­hadores não estavam sujeitos à ilusão do dinheiro e levou em conta a inflação nas negociações salariais. Os dois es­pe­cial­is­tas foram um pouco além demais. Os tra­bal­hadores realmente esperam que as negociações salariais os protejam da inflação. Contudo, cláusulas de dívida, contratos salariais e até mesmo demonstrações financeiras das empresas muitas vezes não incluem ajustes de inflação. Além disso, as pessoas resistem a cortes salariais quando os preços caem, mesmo à custa dos seus empregos. Desta forma parece existir sim certa ilusão monetária.

O Impacto das Histórias

As pessoas vivem em função de histórias. Críticos literários que analisam padrões de histórias acham que a maioria das milhares de histórias de pessoas no mundo afora se encaixam em alguns padrões simples. Estas histórias são fun­da­men­tais para entender como as pessoas pensam. Algumas pesquisas sugerem que o sucesso dos casamentos sólidos atribui-se à história que um casal constrói com seu rela­ciona­mento. Os líderes políticos podem ascender e cair com base na sua capacidade de inspirar seguidores com histórias. No entanto, os economistas con­ven­cionais ignoram histórias e até mesmo sugerem que fundamentar análises econômicas em histórias leva ao descrédito. A Economia con­ven­cional procura fatos quan­ti­ta­tivos demonstráveis. Ela não permite que a história em si possa ser o fato fundamental. Por exemplo, as histórias podem inspirar confiança. A história da Internet, uma variação da história de uma nova era, turbinou uma das maiores bolhas da história do mercado de ações.

Explicando uma Depressão

Os EUA tiveram duas graves depressões nas décadas de 1890 e 1930. A depressão da década de 1890 envolveu um colapso da confiança, ilusões monetárias penetrantes que impediram respostas racionais à queda dos preços e histórias focadas em corrupção, falhas e injustiça. A ilusão monetária alimentou a campanha pres­i­den­cial de William Jennings Bryan, que conclamou todos a uma política monetária ex­pan­sion­ista e inflacionária. A corrida aos bancos ocorreu quando as pessoas espalharam histórias de fragilidade financeira. A Grande Depressão apresentou os mesmos elementos. Durante os anos 20, histórias de grandes ganhos no mercado levaram as pessoas a especular em ações. Após o crash de 1929, abundavam histórias de manipulação injusta ou corrupta do mercado.

O Poder dos Bancos Centrais

Os presidentes dos bancos centrais têm poder limitado e as histórias sobre sua capacidade de gerir a oferta da moeda através de descontos e operações de mercado aberto são verdadeiras apenas em parte. A visão comum assume que as pessoas façam depósitos à vista para atender às ne­ces­si­dades das transações. No entanto, esse raciocínio omite o fato de que as pessoas podem satisfazer suas ne­ces­si­dades de outras maneiras. Em uma crise, o poder mais crítico de um banco central está em agir como um emprestador de última instância. Por exemplo, o Federal Reserve dos EUA lidou com a falência iminente da Bear Stearns fornecendo liquidez.

Calamidades Atuais

A crise econômica de 2008-2009 foi bastante difundida. Bancos de in­ves­ti­mento que pareciam sólidos faliram. Os con­sum­i­dores nos EUA não estão comprando e não conseguem obter empréstimos. O crédito é restrito. Esta crise de crédito existe, em parte, por causa da ascensão de um novo sistema financeiro estruturado por securitização e derivativos. Até re­cen­te­mente, as pessoas contavam histórias en­tu­si­as­madas sobre estes in­stru­men­tos. Mas as histórias agora são de corrupção e des­on­esti­dade. A confiança diminuiu. Os modelos econômicos con­ven­cionais não tratam a confiança, e para reconstruí-la, os leg­is­ladores precisam de uma meta de crédito, além das metas monetárias e fiscais con­ven­cionais. A meta de crédito deve ser o montante de crédito na economia em pleno emprego. Medidas monetárias e fiscais precisam de mais crédito para alcançar seus objetivos econômicos.

Por Que Pode Ser Difícil Encontrar Emprego

A explicação con­ven­cional de desemprego não leva em conta as pessoas que querem trabalhar mas não conseguem encontrar emprego. Ela diz que as pessoas podem sim conseguir empregos se estiverem dispostas a receber menos, assim como qualquer pessoa geralmente consegue vender uma casa reduzindo o preço. Em contraste, a Teoria do Salário-Eficiência afirma que os em­pre­gadores temem que pessoas contratadas com salários mais baixos possam se ressentir da falta de equidade das suas remunerações e assim minar a pro­du­tivi­dade. Ou seja, os em­pre­gadores pagam mais do que o necessário por causa da equidade. O economista John Dunlop constatou que os motoristas de caminhão têm um amplo espectro de salários, dependendo das entregas. Outro estudo encontrou grandes variações salariais não rela­cionadas com diferenças na formação ou habilidade.

Problemas da Poupança

As decisões rela­cionadas com a poupança dependem dos espíritos animais. As pessoas no início de suas carreiras têm dificuldade em imaginar o que vão querer na aposen­ta­do­ria. A teoria econômica con­ven­cional diz que devemos equilibrar poupança e in­ves­ti­mento dentro de cálculos racionais. Mas a visão individual sobre a necessidade de poupar molda o quanto realmente se economiza.

Por Que o Mercado Parece Que Enloqueceu

A Teoria da Eficiência de Mercado diz que as pessoas tomam decisões racionais sobre o desempenho futuro da bolsa com base nos dados e que os preços se ajustam de acordo. No entanto, a ideia de que os preços das ações representam respostas racionais às informações parece insustentável. In­vesti­dores cor­po­ra­tivos, tais como Jack Welch, valorizam a confiança, a crença e “a emoção de poder criar o futuro”. Não falam de equações e projeções. Os espíritos animais trabalham com afinco nos mercados. A Toyota deve seu sucesso aos espíritos animais japoneses e fatores ligados a histórias de confiança, identidade e pertença. A antiga indústria automotiva Kaiser Argentina deve seus violentos conflitos tra­bal­his­tas aos espíritos animais daquele país, incluindo histórias de corrupção e exploração.

Por Que É Que os Afroamer­i­canos Não Estão em Melhor Situação?

As minorias, como os afroamer­i­canos e os índios têm uma história muito diferente para contar sobre a América do que os brancos. Os brancos descrevem a América como um lugar competitivo, difícil, onde são in­di­vid­ual­mente responsáveis por seus resultados porque o sistema é basicamente justo. Os afroamer­i­canos, no entanto, contam a história de um sistema injusto, conduzido pelos brancos. Como veem a sociedade como injusta, trabalhar ali traz desafios psicológicos. A ação afirmativa é uma forma importante de lidar com a história da injustiça, uma vez que mostra que a maioria da população está tentando tornar o sistema mais justo, dando às minorias razões para acreditar que podem conseguir uma mudança real.

“Escolha qualquer época. Escolha qualquer país (...) e verá em fun­ciona­mento na macro­econo­mia os espíritos animais que são o assunto deste livro.”

Economia con­ven­cional é útil, mas um cálculo econômico que despreze os espíritos animais não pode enfrentar os principais desafios econômicos. A crise financeira de 2008-2009 é uma crise de confiança. Trata-se de histórias e percepções de equidade. A história de um mercado eficiente cheio de tomadores de decisão racionais não consegue captar essa realidade.

Sobre os autores

George A. Akerlof, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2001, é professor da Uni­ver­si­dade da Califórnia em Berkeley. Robert J.​Shiller, autor dos bestsellers Exuberância Irracional e A Solução para o Subprime, leciona Economia na Uni­ver­si­dade de Yale.