Desta Vez É Diferente

Livro Desta Vez É Diferente

Oito Séculos de Delírios Financeiros

Princeton UP,
Também disponível em: Inglês


Recomendação

Às vezes, os es­pe­cial­is­tas fazem as pessoas de bobas e as convencem a dar lances elevados por ações ou imóveis, anunciando que os fundamentos da economia mudaram. Como ilustra o rescaldo da bolha imobiliária nos EUA, os fundamentos da economia nunca mudam, não importa em quais fantasias as pessoas acreditem. Os professores de economia Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff apresentam uma grande turnê histórica e estatística da arrogância financeira através dos séculos, uma autópsia que fará você se perguntar: como é que alguém pôde acreditar que “desta vez seria diferente”? O tom sóbrio, as fórmulas, gráficos e o texto, um tanto desordenado, que varre séculos e países de forma ambiciosa, tornam esta história um desafio fascinante a ser absorvido. A BooksInShort recomenda esta visão analítica para fãs de fatos históricos, in­vesti­dores, gestores e decisores políticos que buscam entender melhor os “delírios financeiros”.

Ideias Fun­da­men­tais

  • Bancos centrais, decisores políticos e in­vesti­dores envolvidos em todas as bolhas financeiras estão ab­so­lu­ta­mente convencidos de que, em termos de eventos econômicos, “desta vez é diferente”.
  • Pessoas outrora sábias ignoram o sinais indicadores de uma bolha quando estão contagiadas pela síndrome do “desta vez é diferente”.
  • Até mesmo in­t­elec­tu­ais brilhantes como o ex-pres­i­dente da Reserva Federal Alan Greenspan foram vítimas desta síndrome.
  • Banqueiros e economistas nos anos 20 previram um futuro estável sem guerras.
  • De 2003 a 2007, a sabedoria con­ven­cional afirmava que o expertise dos banqueiros centrais e as inovações de Wall Street jus­ti­fi­cariam preços internos elevados e o crescente en­di­vi­da­mento familiar.
  • A alta de preços dos imóveis e inovação financeira são indicadores de uma bolha.
  • A desvalorização da moeda já era comum há séculos. Nos últimos 100 anos, a inflação vem sub­sti­tuindo a desvalorização.
  • In­cumpri­men­tos soberanos, apesar de flutuantes, são marca comum do capitalismo global.
  • As crises financeiras têm ocorrido com reg­u­lar­i­dade nos últimos dois séculos.
  • Para evitar bolhas no futuro, banqueiros e economistas devem usar sistemas de alerta e esquemas reguladores mais rigorosos.
 

Resumo

Quando Você Ouvir “Desta Vez é Diferente”, Saia Correndo

Com o passar das décadas, grandes forças da economia desenvolvem uma confiança inabalável na eficiência dos mercados e na saúde da economia. Conhecida como a síndrome do “desta vez é diferente”, esse otimismo irrealista afligiu banqueiros, in­vesti­dores e decisores políticos desde antes da Grande Depressão de 1930 até a grande recessão global de 2008 e 2009. As circunstâncias foram diferentes, mas a mesma mentalidade (uma mistura perigosa de euforia, arrogância e amnésia) levou a cada um desses colapsos econômicos. Em cada caso, os tomadores de decisão apostaram em crenças que desafiaram a história. Na década de 1920, a sabedoria con­ven­cional sustentava em larga escala que as guerras seriam coisa do passado e que a es­ta­bil­i­dade política somada ao crescimento econômico iriam substituir a volatil­i­dade dos anos anteriores. Os eventos da Primeira Guerra Mundial rapidamente mostraram que os otimistas estavam errados.

“Mais dinheiro foi jogado fora por causa de quatro palavras do que sob a mira de uma arma. Essas palavras são: “desta vez é diferente”.

O colapso financeiro mais recente centrou-se no mercado imobiliário dos EUA, sob a anuência dos reguladores, apesar da advertência de uma série de alarmes. Em 2005 e 2006, o aumento dos preços das moradias nos EUA ultrapassou de longe o crescimento do produto interno bruto (PIB). Em retrospecto, os preços dos imóveis en­con­travam-se claramente em uma bolha es­pec­u­la­tiva. No entanto, mesmo com o crescimento da inflação, o ex-pres­i­dente do Federal Reserve Alan Greenspan afirmou que a situação econômica era diferente. Ele teorizou que os avanços financeiros, como a securitização gen­er­al­izada, tornaria o mercado imobiliário mais líquido e apoiou o aumento dos preços. Desdenhou das preocupações acerca do enorme déficit em transações correntes dos EUA. Ao passo que o dinheiro da China, Japão, Alemanha e outros países iam invadindo os EUA em busca de um porto seguro, os con­sum­i­dores americanos passaram a fazer empréstimos como nunca.

“Não importa se o último frenesi ou a mais recente crise financeira sejam diferentes, geralmente há semelhanças notáveis com experiências passadas por outros países através da história.”

Outros líderes influentes também minimizaram o déficit em transações correntes. O sucessor de Greenspan, Ben Bernanke e o Secretário do Tesouro Paul O'Neill afirmaram que as altas taxas de poupança no exterior e baixas taxas de poupança interna faziam parte da ordem natural. Mas nem todo mundo foi tão categórico. O prêmio Nobel Paul Krugman previu um momento abrupto quando a imprudência e a “in­sus­tentabil­i­dade” dos empréstimos perdulários in­ter­na­cionais dos EUA viriam à tona. O rácio da dívida das famílias em relação ao PIB atingiu 80% em 1993, 120% em 2003 e disparou para 130% em 2006. Neste cenário de dinheiro fácil, os credores hipotecários executaram mutuários que não podiam pagar suas casas. Mutuários subprime viram-se com as mãos atadas quando as baixas taxas iniciais dos seus empréstimos logo subiram a alturas inacessíveis. Apesar das análises desfavoráveis de es­pe­cial­is­tas de alto calibre como Krugman, a síndrome do “desta vez é diferente” estava a pleno vapor entre 2005 e 2007 e se manifestou através de vários argumentos sedutores, que hoje parecem absurdos:

“Esta síndrome do “desta vez é diferente” (...) está enraizada na firme convicção de que as crises financeiras são coisas que acontecem com outras pessoas em outros países em outras épocas.”

● Os EUA têm os maiores e mais sofisti­ca­dos mercados financeiros do mundo, portanto pode lidar muito bem com entradas maciças de capital. ● Economias em de­sen­volvi­mento continuarão enviando capital para os EUA. ● A globalização preparou o terreno para uma maior alavancagem e cargas maiores de en­di­vi­da­mento. ● Os EUA têm os melhores decisores e instituições de política monetária. ● In­stru­men­tos financeiros inovadores des­en­cadeiam uma demanda sólida e renovada para a habitação, permitindo que mutuários an­te­ri­or­mente in­ex­plo­rados assumam hipotecas.

“Uma economia altamente alavancada pode in­ad­ver­tida­mente permanecer à beira de um precipício financeiro por muitos anos até que uma circunstância qualquer provoque uma crise de confiança que a empurre para a ruína.”

Na verdade, os sinais de alerta eram altos e claros. Para ver o quão perto a economia dos EUA esteve de uma implosão, basta olhar para os Big Five, ou os cinco grandes crashes de economias de­sen­volvi­das do século 20: Espanha em 1977, Noruega em 1987, Finlândia e Suécia em 1991 e Japão em 1992. Esses colapsos com­par­til­haram algumas linhas em comum:

“Inovações como a securitização permitiram que os con­sum­i­dores dos EUA trans­for­massem seus ativos ilíquidos de habitação anteriores em caixas rápidos, o que representou uma redução na poupança.”

A afluência de capital prevê crises financeiras – “A bonança do fluxo de capital”, como aconteceu nos EUA em 2005, precedeu os Big Five e o colapso do subprime de 2008. ● Uma onda de inovação financeira muitas vezes leva à crise – A criação de novos mecanismos rela­ciona­dos com hipoteca destinados a reduzir o risco impulsionou o boom imobiliário de 2005-2006. ● Um boom imobiliário muitas vezes é presságio de crash financeiro – Os preços podem levar anos para se recuperar. ● A liberalização financeira muitas vezes antecede uma crise – Entre 1980 e 1990, as crises financeiras seguiram as enchentes da regulação financeira relaxada.

“A presunção americana de que seus sistemas financeiros e de regulamentação poderiam suportar a entrada maciça de capitais de forma sustentada (...) sem dúvida definiu as bases para a crise financeira global dos anos 2000.”

Sur­preen­den­te­mente, os mercados financeiros grandes e sofisti­ca­dos são tão propensos a falhas quanto os menores e menos avançados. Nenhuma diferença real na duração ou gravidade foi observada nos crashes das nações menos de­sen­volvi­das (Indonésia, Filipinas, Argentina, Colômbia) em comparação aos das de­sen­volvi­das (EUA, Reino Unido, Japão). Isto deve alarmar os que afirmam que as condições são diferentes nos mercados avançados.

Uma Breve História das Crises Econômicas

Os últimos 180 anos oferecem aos estudiosos uma miscelânea de crises financeiras, entre elas:

“A mudança da moeda em metal para o papel-moeda [demonstra] que a inovação tecnológica não cria nec­es­sari­a­mente novos tipos de crises financeiras, mas pode exacerbar seus efeitos.”

A crise de 1825-1826 – Este contágio global afetou a Europa e América Latina. Grécia e Portugal tornaram-se in­cumpri­dores. ● A crise de 1890-1891 – A Argentina tornou-se in­cumpri­dora e sofreu corridas aos bancos. A Baring Brothers faliu. O Reino Unido e os EUA foram afetados pela crise. ● O pânico de 1907 – Corridas aos bancos na Europa, América e Ásia. ● A Grande Depressão – Os preços das commodities afundaram. As taxas de juros e a inflação dispararam durante esta crise global. ● A crise de 1981-1982 – Os preços das commodities despencaram, atingindo os mercados emergentes. As taxas de juros dos EUA se elevaram muito. ● A crise da dívida da década de 1980 – In­cumpri­men­tos soberanos gen­er­al­iza­dos, hiperinflação e desvalorizações da moeda atingiram prin­ci­pal­mente as nações em de­sen­volvi­mento da África e América Latina. ● A crise japonesa de 1991-1992 – A bolha dos mercados imobiliário e de ações estourou no Japão e na Escandinávia, afetando também outras economias europeias. Quase 20 anos depois, os preços dos imóveis japoneses ainda não haviam retornado aos níveis pré-bolha. ● O “efeito tequila” de 1994-1995 – O colapso da moeda mexicana complicou economias emergentes da América Latina, Europa e África. ● O contágio asiático de 1997-1998 – Esta crise começou no Sudeste da Ásia e se espalhou para Rússia, Ucrânia, Colômbia e Brasil. ● A contração mundial de 2008 – O estouro da bolha imobiliária subprime dos EUA provocou falhas reais do mercado de ações, colapsos monetários e crises bancárias.

“As crises financeiras graves raramente acontecem de forma isolada.”

O in­cumpri­mento das dívidas são um resultado das crises financeiras, mas nos anos que antecederam 2008, a inadimplência era inexistente. Isso provavel­mente influenciou o pensamento “desta vez é diferente”. A inadimplência flutuante também enganou os es­pec­ta­dores pouco antes de uma inundação de in­cumpri­men­tos atingir a década de 1980. Naquele tempo, o presidente do Citibank Walter Wriston pronunciou, “países não vão à falência”. Tec­ni­ca­mente, as nações não ficam sem dinheiro como acontece com as empresas. Mas nações muitas vezes não conseguem pagar suas dívidas.

“Somente as duas décadas anteriores à Primeira Guerra Mundial, os dias tranquilos do padrão-ouro, exibiram tran­quil­i­dade semelhante a 2003-2008.”

É fácil compreender por que um país torna-se incumpridor, dada a experiência da Romênia em 1980. O ditador Nikolai Ceausescu decidiu privar seus súditos de elet­ri­ci­dade e aquecimento para que a nação pudesse pagar uma dívida de US$ 9 bilhões. Diante de tais situações esmagadoras, a maioria dos países sim­ples­mente renegocia os prazos de pagamento ou entra em inadimplência. Uma quebra no ritmo da inadimplência de 2003 a 2008 alimentou o pensamento do “desta vez é diferente”, mas os in­cumpri­men­tos devem acelerar no rescaldo da crise. Os in­cumpri­men­tos são comuns por uma variedade de razões, incluindo:

“Henrique VIII da Inglaterra deve ser quase tão famoso por tosquiar as moedas do seu reino quanto foi por decaptar suas rainhas.”

Os credores muitas vezes não podem fazer cumprir os contratos de dívida além das fronteiras nacionais – Se um banco dos EUA empresta dinheiro para a Argentina e pos­te­ri­or­mente a Argentina incumpre, o credor tem poucas maneiras de recorrer. ● Mudanças políticas – Incertezas em torno da eleição pres­i­den­cial de 2008 aprofundou a crise do subprime dos EUA. Temores sobre a chegada de a uma administração populista exacerbaram a crise financeira de 2002 do Brasil. ● Contágio financeiro – Um abran­da­mento nos centros financeiros atinge os mercados emergentes que dependem de exportações e commodities. Crises de crédito no Primeiro Mundo congelam os empréstimos ao Terceiro Mundo.

“O problema da memória curta (...) parece não melhorar com o tempo, portanto as lições políticas que podem ser tiradas para ‘evitar’ as próximas implosões são na melhor das hipóteses limitadas.”

Apesar de a América Latina ser sinônimo de in­cumpri­mento soberano, esta não é a única região a ser culpada. De fato, Argentina, Venezuela, Equador e Costa Rica têm sido inadim­plentes em série, mas a Indonésia, África do Sul, Zimbábue e Nigéria também têm dado “calotes”. Alguns ex-inadim­plentes em série são agora mais confiáveis. Chile e Brasil, por exemplo, incumpriram pela última vez em 1983, graças a políticas mais con­ser­vado­ras.

Desvalorização Cambial e Inflação

Embora tenha havido pouca hiperinflação na crise de 2008, aumentos de preços e desvalorização das moedas têm marcado as crises financeiras ao longo da história. Já no século IV a.C., o tirano grego Dionísio recorreu a uma fraude monetária onde recolheu todas as moedas em circulação (sob ameaça de morte) e estampou em cada moeda de 1 dracma o valor de 2 dracmas, duplicando assim a oferta monetária. Na década de 1540, Henrique VIII da Inglaterra desval­ori­zou a moeda reduzindo o teor de prata e ouro nas moedas em circulação. Pos­te­ri­or­mente, os governantes na Suécia, Turquia, Rússia, Grã-Bretanha (de novo) e outros reinos também viriam a desval­orizar suas moedas, reduzindo a quantidade de metais preciosos em cada moeda.

“Esperamos que o peso da evidência contida neste livro traga aos decisores políticos e in­vesti­dores do futuro a opor­tu­nidade de pensarem melhor antes de declararem: ‘desta vez é diferente’. Quase nunca é.”

À medida que as economias modernas passaram a utilizar o papel-moeda, os efeitos da desvalorização cambial tornaram-se mais pro­nun­ci­a­dos. As taxas de inflação na Alemanha, Grécia e Hungria, em meados do século 20 eram tão absurdas que expressá-las exige notação científica (9.63E + 26 denota a inflação anual da Hungria em 1946, o que significa que o ponto decimal está 26 casas à direita). Assim como a guerra tornou-se mais destrutiva com o avanço da tecnologia, as crises financeiras se tornaram mais violentas na era da inovação contínua.

Evitando a Próxima Crise

Por definição, a síndrome do “desta vez é diferente” é tão contagiante que desanima aqueles que pretendam estragar a festa. Mesmo assim, pode ser útil observar dois passos a seguir:

  1. Um sistema de alerta precoce – Como as crises financeiras seguem padrões es­ta­b­ele­ci­dos, os decisores políticos e in­vesti­dores precisam de um sistema que os alerte para os sinais de perigo. Por exemplo, um aumento anormal dos preços da habitação certamente antecipa uma crise bancária. Embora tais sinais não sejam su­fi­cien­te­mente precisos para prever o pico exato das crises, podem servir de indicadores gerais.
  2. Um esquema de regulamentação firme – Para evitar futuras crises, os reguladores devem observar os padrões in­ter­na­cionais de regulamentação e fazer cumprir as regras, mesmo quando todo mundo ache que a situação é realmente diferente desta vez.

Sobre os autores

Carmen M. Reinhart, da Uni­ver­si­dade de Maryland e S. Kenneth Rogoff, da Uni­ver­si­dade de Harvard são economistas e professores. Reinhart, que leciona no Fundo Monetário In­ter­na­cional e no Banco Mundial, é o co-editor de The First Global Financial Crisis of the 21st Century. Rogoff, co-autor de Foundations of In­ter­na­tional Macro­eco­nom­ics, é co­men­tarista do The Wall Street Journal, National Public Radio e The Financial Times.